Desabafos
Óóó Minas Gerais...quem mora aqui, sofre demais...Óóó Minas Gerais...
Sem falar que me apaixonei pelas cidades só de pesquisar pela internet: população pequena, boa infra-estrutura, pacatas, limpas, bonitas e cheias de parquinhos nas praças...e gente com condições...pra quem sabe, eu ter oportunidade e espaço de exercer de verdade minha profissão.
Mais uma vez meus pais ajudaram, pagaram minhas inscrições, passagens e ainda levou até as cidades pra gente fazer as provas. Na primeira prova, emendei o feriado de 7 de setembro que meus pais fizeram questão de levarem os menininhos pro zoológico.
Aí, foi tão concorrido que, apesar de boas notas, não deu pra entrar nas vagas...Doeu tanto dizer pra minha mãe ao telefone o resultado...Ela e meu pai estavam com tanta expectativa...Também pra enfim darmos um rumo certo em nossas vidas...Ela respondeu numa voz tão decepcionada que ia falar pro meu pai...
Sabe, no início eu fui tão egoísta, tinha ciúmes deles com o Gustavo. Meu pai vivia pedindo pra levar o menino pra eles cuidar...Daí o Anderson ficou com ciúmes também, me enfiando coisas na cabeça...Claro que não ia entregar meu filho. Mas hoje, consigo enxergar o tamanho do amor que minha mãe diz que é em dobro do que aos filhos com os netos. Pôxa, eles já fizeram tanto e continuam fazendo por nós e agora pelos netos...mesmo cansados, continuam trabalhando e socorrendo a gente...
Todo mundo aqui tem consciência de que estamos beeem crescidinhos e já devíamos ter dado um jeito, mas crescemos numa terra sem oportunidades...Aqui só vive bem e consegue crescer quem é patrão porque explora mesmo os empregados. Eu vivo tateando agora uma forma de trabalhar e só vejo empregos com salários que não vão me ajudar em nada, pelo contrário, me trariam despesas que não poderia arcar: como pagar van, escolinha, lavadeira, marmitex...Porque trabalhar de Caixa de Supermercado que é o que me resta aqui, a pessoa vive pra trabalhar e não dá pra fazer mais nada em casa. Um dono de lotérica me ligou todo empolgado dos meus 12 meses de experiência, mas fez questão de vir aqui me ver pessoalmente. Veio. Aí enrolou, disse que me ligava e sumiu. Eu sei porque: veio ver se eu tinha 'boa aparência'. Na realidade, boa aparência é uma coisa, o que eles querem é uma modelo de parar o trânsito, né? Um tipo loura de olhos verdes ou azuis. Uma Gisele B...lá. Minha vizinha aqui, bonitinha, mas ‘negra’ que começou a trabalhar numa farmácia de manipulação ‘como faxineira’, disse que um dia entrou na sala da patroa que tava usando de critério pra classificar os currículos, que ela exige com foto, pra vaga de balconista de ‘esta é bonita, essa não (jogava no lixo)’.
Pra termos oportunidade de ter uma casa e nos sustentar com os filhos, os dois tem de estar trabalhando e ganhando mais de R$1.000,00. Afinal, já temos despesas com alimentação, remédios e roupas com nós 3, que dinheiro sobra desses salários merrecas pra investir num financiamento? Porque aluguel já desisti. Além de pensar no jogar dinheiro fora todo mês que poderíamos estar pagando em algo que seria nosso, aqui tá impossível conseguir. A cidade tá tão grande e tem tanta gente, que apesar de tanto loteamento sendo aberto, tantas construções e conjuntos habitacionais, ainda têm gente alugando casa pra morar. Antigamente era tanta plaquinha nas casas de aluga-se e hoje só se vê umas poucas por imobiliárias...que exigem 2 fiadores com registro em carteira, ganhando 3 vezes o valor do aluguel e com casa própria. Visitei casa até com morcego morando de tão abandonada, a frente puro mato com a grade toda retorcida e caída, porta de entrada toda estourada de pegar chuva, um dos banheiros só com as saídas do esgoto, sem pintura e no contra-piso. O preço: R$250,00 no fundão da periferia aqui. Um absurdo. Acho que o dono começou a reformar, acabou o dinheiro e botou pra alugar pra juntar e terminar ela pra morar. Agora, se nem ele mora lá naquelas condições, alguém vai pagar pra morar? Só se for retardado!
Gostei de uma com dois quartos, quintal pequeno, quase todo cimentado, o banheiro meio funrreca, mas quebrava o galho. O mesmo valor. Negociei de aceitarem meu cunhado como um fiador mesmo sem ter casa própria, mas não quiseram aceitar meu pai só porque é autônomo. Calcei a cara e fui pedir pra minha vizinha que topou e eu já fiquei toda empolgada arrumando os papéis...Aí ela me chamou no outro dia pra dizer que conversou com o marido que proibiu, pois disse que envolvia a casa deles... Casa própria é sagrada, né? Chorei tanto...
Pois é, e eu não consigo ver nem sombra de ter a minha, de me casar...Já entrei em desespero, entrei em depressão, já tentei me conformar, tentei até ter esperanças e mudar o rumo e...nada adiantou.
Acho que vamos esperar sair outro conjunto habitacional. Duro é que o bairro onde ficam só vive tendo assalto nas casas porque são perto das bocas de fumo daqui...
Só lamento por meus pais que viram todas minhas primas darem um rumo na vida, se casarem e viverem com as próprias pernas em suas casas; estão vendo o mesmo acontecer até com as vizinhas...menos com as filhas deles...e os anos vão passando...os netos estão crescendo...estamos ficando velhos e eles cansados...O quê vai ser do futuro,meu Deus? Quando minha mãe vai deixar de ser humilhada com aquele trabalho, quando meu pai vai poder deixar o trabalho pesado e cuidar da saúde, quando vamos arrumar um emprego e nos sustentar com nossos filhos e ainda poder ajudá-los e retribuir todo esse amor deles por nós? Quando?
Os filhos têm toda consciência de que são amados imensa e intensamente pelos pais, mas os pais não têm certeza da reciprocidade deste amor. Hoje, depois que me tornei mãe, eu sei disso. E entendi também que tenho muito orgulho e os amo com tanta intensidade com que eles amam a mim. Só gostaria de ter a oportunidade de fazê-los ter a consciência disto também.
Falar dos meus pais
Esses anos todos sob suas asas, eu enriqueci
E tive a luz da vida, os passos pra seguir
E como o vento o tempo passa tão depressa, eu cresci também
E não sou mais de vocês, agora é minha vez de ser alguém
Vou viajar sem bagagem
Deixo o amor, mas levo a coragem
Eu vou seguir de mãos vazias
No peito eu trago a lição
Sei que um dia com meus filhos
Eu vou abrir meu coração
E falar dos meus pais
Quando a noite é um mar de pesadelos, vinham me abraçar
E num sorriso aberto, com prazer de amar
Firme lado a lado, nunca vi motivos pra me preocupar
Mas o meu dia chegou, eu tenho a chance de tentar ser alguém
Roupa Nova